
EQUÍVOCOS CONTIDOS EM PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INOBSERVÂNCIA DOS TEMAS 777 E 940 DO STF.
Inicialmente, deixo registrado que, tanto na condição de advogado quanto na condição de professor, nutro elevado respeito e admiração à Corte Superior de Justiça Brasileira e que o presente artigo busca apontar pontos divergentes entre seus recentes Acórdãos e a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal que, inclusive, estão contidas nas teses dos TEMAS 777 e 940.
1. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES CONFORME OS TEMAS 777 E 940 DO SUPREMO TIBUNAL FEDERAL.
O Supremo Tribunal Federal – STF – no julgamento do Recurso Extraordinário 842.846, que houve Repercussão Geral, consolidou a tese descrita no seu TEMA 777. Vejamos:
“O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.”
Desde então, não paira mais dúvidas de que notários e registradores, por serem agentes administrativos por excelência – ainda que exerçam a delegação de modo privado – têm a sua responsabilidade moldada pelo disposto o artigo 37, § 6º da Constituição da República de 1988.
A jurisprudência nos Tribunais locais foi se consolidando no sentido de que notários e registradores não seriam partes legítimas para figurarem no polo passivo de uma demanda reparatório, uma vez que sua responsabilidade seria tão somente perante o Estado e na forma, repita-se, do artigo 37, § 6º da Constituição da República de 1988.
Porém, em alguns casos isolados, a legitimidade fora equivocadamente reconhecida e o delegatário fora mantido no polo passivo, sob o frágil fundamento de que a tese fixada no TEMA 777 fora omissa quanto à (im) possibilidade de responsabilização solidária do delegatário e do Estado.
Por óbvio que tal fundamento não se sustenta, pois a premissa básica do § 6º do artigo 37 da Constituição é garantir ao administrado o benefício da responsabilidade objetiva (sem precisar de comprovar dolo ou culpa), bem como garantir ao agente público que sua atuação está respaldada e resguardada pelo Estado, para que possa então exercer o seu mister com a coragem necessária.
Trata-se da aplicação da TEORIA DA DUPLA GARANTIA que, inclusive, foi muito bem destacada pelo então Ministro do STF, Ayres Brito, em seu voto condutor no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 327.904 e julgado pela Primeira Turma em 15/08/2006 (DJ 08/09/2006).
Sendo assim, para colocar uma “pá de cal” na problemática, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 1.027.633, consolidou a tese que compõe o TEMA 940, que diz:
"A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."
Portanto, não cabe mais qualquer questionamento quanto à responsabilização dos notários e registradores, pelos atos que nesta condição praticarem, pois a responsabilidade se dá nos moldes do artigo 37, § 6º da Constituição da República (TEMA 777) E, PORTANTO, O AGENTE ADMINISTRATIVO (NOTÁRIO OU REGISTRADOR) É PARTE ILEGÍTIMA PARA COMPOR A LIDE (TEMA 940).
2. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE POR MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ARTIGO 22 DA LEI 8.935/94.
Em rápidas palavras, a mutação constitucional ocorre quando há uma alteração na exegese da norma constitucional sem que haja qualquer alteração textual, ou seja, exatamente o que aconteceu nos julgamentos que originaram os TEMAS 777 E 940 do STF.
Não há mais compatibilidade do teor do artigo 22 da lei 8.935/94 com o texto constitucional - art. 37, § 6º, pois ao tratar da forma da responsabilidade dos notários e registradores como sendo direta e subjetiva afrontou o artigo 37, § 6º da Constituição da República que trata a responsabilidade como sendo apenas regressiva e subjetiva.
A partir do momento em que o STF consolidou entendimento de que a responsabilidade dos notários e registradores se dá nos moldes do artigo 37, § 6º da Constituição, o artigo 22 da lei 8.935/94 passa a ser integralmente incompatível com a norma constitucional e, portanto, não produz mais qualquer efeito.
Logo, qualquer fundamento decisório que se ampara no artigo 22 da lei 8.935/94, seja para definir a forma da responsabilidade ou para delimitar termo (inicial ou final) de prazo prescricional, também está contaminado por um “error in judicando”, pois não mais se discute a aplicabilidade do artigo 37, § 6º da Constituição da República quanto à responsabilização por danos oriundos de atos notariais ou registrais. Assim ocorre, tanto para garantir os benefícios ao administrado (responsabilidade objetiva e prazo prescricional quinquenal), bem como para garantir ao agente administrativo delegatário segurança para bem exercer o seu mister.
3. EQUÍVOCO EM PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
O STJ, em recente julgado (Resp. 2.043.325) sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, trouxe exatamente o equívoco que fora apresentado no final do capítulo anterior.
No Acórdão do citado Resp observa-se que muito se discutiu sobre o termo inicial do prazo prescricional da pretensão indenizatória em face do notário, com grande aprofundamento na ratio legis do parágrafo único do artigo 22 da lei 8.935/94. Porém, a legitimidade processual do notário, que é matéria processual de ordem pública que pode ser alegada e reconhecida a qualquer tempo, não fora objeto de apreciação e, portanto, não houve a devida e prudente aplicação da responsabilidade civil nos termos do artigo 37, § 6 º da Constituição da República de 1988.
A mantença do notário o registrador no polo passivo de demanda indenizatória é vício processual insanável que afronta o artigo 37, § 6 º da Constituição da República e, portanto, deve ser sanado o quanto antes ou "antes tarde do que nunca".
4. CONCLUSÃO
O que se pode concluir do teor deste artigo é que as demandas – tanto as já existentes quanto as que vierem a ser propostas - que têm como objeto material a reparação por danos em razão de atos notariais ou registrais - devem ter EXCLUSIVAMENTE O ESTADO NO POLO PASSIVO e o que diferente ocorrer deve ser imediatamente apontado – em chamamento do feito à ordem – para o saneamento do vício processual.
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